“ORDINÁRIO, MARCHE !”
Eu tinha acabado de entrar na faculdade, e andava um pouco curioso pra saber como eu encararia as mudanças naquele ano, ainda mais sabendo que logo depois do carnaval, eu teria que fazer um favorzinho à Nação: servir o Exército. Cheguei a pensar que depois do colégio, tudo seria mamata e eu nunca mais teria que estudar, ou dar satisfação pra professor algum, mas eu ainda não sabia que chefes são professores que encaram tudo pelo lado pessoal.
Voltando pro Exército, eu já tinha me conformado que iria cumprir aquele ano sem ter de achar ruim, porque quanto mais eu reclamasse, mas eu odiaria aquela imposição. Então eu encarava como uma escola, só que aprendia muito mais do que 7 x 8 ou qual era a capital da Austrália, e comecei a perceber que aqueles ensinamentos ajudariam a formar um bom caráter, mesmo que apenas depois de um certo tempo.
Lembro que na primeira vez que o pelotão saiu pra correr, era umas seis e pouco da manhã e estava um frio medonho que até enrugava o bico do peito. Ninguém sabia os procedimentos corretos (é, tem tudo essas merdas...) sobre o que e como fazer as coisas ali dentro, então parecia um bando de loucos de shortinho verde e ki-chute correndo pela cidade.
Eu, me achando o malandrão, fiquei no final da tropa. Não tinha a menor vontade de chegar entre o pelotão de elite, ou entre os saudáveis, até porque eu nem tinha ar suficiente pra isso. Mas eu não estava sozinho, pois comigo ficaram dois caras baixinhos que nunca tinham praticado esportes na vida, e também não faziam o menor esforço pra “mostrar serviço”.
- “Quem ficar pra trás vai ter de pagar !” – gritava o sargento, que mais parecia o vocalista do Queen do que um soldado.
Um tempo depois, e nada havia mudado. Até parecia que os caras gostavam de chegar por último. E eu sempre dava uma força, pra correr um pouco mais, pelo menos pra não dispersar, mas não adiantava...
Pulando uma parte, esses dois caras foram meus melhores amigos lá dentro, durante aquele ano todo do serviço.
ORDINÁRIO – aprendizagem
Não sei se é conversa, se é mandinga ou se acontece com todos mesmo. Cheguei a uma conclusão lógica depois que terminei o serviço: o homem se torna muito mais escroto, cafajeste, canalha, cachorro, enfim, o ordinário – que vivem gritando pros soldados.
Deve ser pelo convívio diário com um bando de homens de tudo quanto é tipo. Você esquece um pouco o valor das coisas e começa a perceber que a camaradagem prevalece em muitos casos. Essa história, de que tem mulher que não pode ver homem de farda que já empina o rabo é verdade. Isso pude comprovar durante um período cafajeste, quando não dava mais valor aos compromissos e tinha desistido da utópica idéia de encontrar a mulher perfeita. Tinha muita menina malandra que ia lá de madrugada bater no portão do quartel, perguntando por um ou outro soldado. Falo da camaradagem porque muito soldado arrumava esquema pros outros também, e assim por diante. Chegou num ponto em que o sargento precisou cortar o telefone da guarda, tamanha a bagunça que aquilo tinha virado.
Mas como tudo na vida, essa fase um dia acabou e só acertei o pé quando desencanei dessa cachorrada sem-vergonha. Confesso que nos primeiros dias depois, bateu uma deprê desgraçada, mas aos poucos as coisas voltaram ao normal...
Não sei porque me deu vontade de escrever isso só agora, uns anos depois. Talvez seja porque senti saudade dessa fase, que dificilmente vai voltar.
Nem tudo que é estória vira história !
“That’s just a phase, it’s got to pass.
I was a train movin’ too fast…”