Um Circo, um Palhaço, um Pipoqueiro, alguns amores, muitos porres. E uns textos complicados sem pé nem cabeça.

10.5.05

Cerejinha

Lembro que ela passava sempre na janela da minha sala, e tudo que eu conseguia ver era o topo da sua cabeça e uma parte do rabo-de-cavalo, que balançava para cima e para baixo num sincronismo quase que de uma marcha. De lá de dentro eu podia sentir seu perfume doce, de sândalo com flor de laranjeira, que ao mesmo tempo era suave e me deixava um vazio tão grande no estômago que dava até fome. Eu já ficava ansioso pelo intervalo, só pra ver ela no pátio se sobressaindo diante das amigas que a invejavam. E o curioso é que ela não esbanjava, era puro charme. E talvez por isso eu era tão besta por aquele bailar exuberante.
A minha timidez não permitia chegar nem perto dela, e eu passava o tempo articulando maneiras de me aproximar sem falar alguma asneira que comprometesse.
Uma vez, no final do ano, a professora de artes me chamou pra ajudar num “projetinho” dela. Ela queria mudar a cara do colégio, colocando várias cores vibrantes no lugar daquele verde musgo (que mais parecia lodo). Ironia do destino seria eu entregar que a dona professora era mãe da gracinha três anos mais nova, e que eu vivia babando escondido nos intervalos. E se não bastasse isso, eu e alguns outros ajudantes tínhamos que ir todas as tardes na casa da professora, pra matutar sobre o tal “projetinho”. Exagero ? Não. Ela iria nos ajudar... Enfim, essas coisas que só acontecem na escola.
Eu, 17 e ela, quase 15, numa mesma mesa discutindo qual cor misturada com qual dava um tom de terracota. E eu nem prestava atenção nos outros. Éramos apenas eu e ela discutindo o sexo dos anjos. Até a mãe dela eu já havia deixado de lado, pois quem entendia mesmo do assunto era a filha. Pelo menos pra mim, o maior interessado. Me senti entrando em órbita, porque eu mal conhecia o som da sua voz, e num instante depois estávamos falando que as portas do banheiro deviam ser da cor de pirulito de cereja. Ninguém concordava conosco, mas e daí ? O que importa é que eu e ela temos a mesma opinião, o mesmo gosto. Ou eu achei isso só porque estava de quatro pela filha da professora ?