Um Circo, um Palhaço, um Pipoqueiro, alguns amores, muitos porres. E uns textos complicados sem pé nem cabeça.

9.3.07

VELHOS Tempos

Era 9 de março de um ano que não vinha sendo muito bom. Eu me sentia sozinho o bastante pra me achar forte e ao mesmo tempo sozinho demais pra chorar e ninguém ver. Aliás os começos de ano pra mim sempre foram decadentes em excesso, ao contrário do final deles. Meu telefone toca no meio da madrugada e eu já levantei esperando pelo pior. Eu tinha que arrumar minhas coisas e viajar até o interior dentro de poucas horas. Meu avô tinha falecido.

Falar sobre ele é uma coisa que eu sempre tentei e nunca consegui, apesar de ter tentado inúmeras vezes. E naquele dia eu tinha perdido mais do que meu avô, eu tinha perdido um amigo. Ele era até então tudo o que eu tentaria ser pra minha famíia: a "cola" entre eles. Cinco anos antes eu e ele tínhamos perdido minha avó. Isso mesmo, EU e ELE. E depois daquele momento jurei que faria de tudo pra não deixá-lo sozinho. Juramos fidelidade, choramos e depois passamos a morar juntos. Eu cuidando dele, e ele mais ainda de mim. Eu tinha só quinze anos, e ele setenta e cinco. Mas éramos como velhos amigos.


Até que houve um dia em que eu tive que sair de casa, ou como ele dizia "sair pra tentar magoar o menor número de pessoas possível", o que foi muito difícil pra mim, embora soubesse o que ele estava fazendo. Então saí. Nós nunca perdemos contato, e sempre que podia ia até lá para vê-lo e passar grande parte do meu tempo livre ao lado dele.

Meu avô não era engraçado, louco e muito menos um velho alcóolatra que vivia me contando histórias sujas sobre sua adolescência idem. Ele era (e É) um dos seres humanos mais incríveis que já conheci, e às vezes eu me perguntava como fui parar ao lado de alguém tão especial. Talvez eu não o merecesse, talvez eu também não merecesse ter uma avó como a esposa dele, a mãe do meu pai. Mas tudo o que eu fiz naquele período entre a infância e a adolescência foi me dedicar para tê-los em minha vida o máximo de tempo possível.

Então nesse mesmo dia 9 de março eu fui até lá, pra me despedir "fisicamente" do velho. Pode ter isso a última vez que eu chorei por alguém até hoje, e o choro se tornava mais profundo ainda quando me lembrava do tempo em que moramos juntos. Foi quando aprendi verdadeiros valores morais, amadurecimento e sensatez sobre cada dificuldade que eu viria a encontrar pela frente, mesmo sem saber que um dia eu me pegaria com os mesmos costumes e pirraças dele. Enfim, que eu me tornaria um velho como ele.

Às vezes não consigo lembrar de muita coisa da minha infância, porque naqueles tempos de quinze anos eu já tinha muita coisa na cabeça. E confesso que antes de nos aproximarmos tanto, às vezes eu chorava pra minha mãe com medo de um dia envelhecer. Mas ali, ao lado dele, eu já quis ter idade o bastante pra conversarmos sobre as mesmas experiências e glórias. E acabei mudando completamente a minha maneira de encarar a velhice depois desses tempos.

Nesse mesmo dia, no enterro do meu avô, eu mal sabia que onze anos antes de sua morte, naquele mesmo 9 de março, Henry Charles Bukowski deixava nosso time pra jogar ao lado dos imortais. Toda aquele descarrego de sensações e sentimentos me deixaram cego para outro fato curioso: eu entrei no primeiro ônibus pra São Paulo, às exatas sete horas e quarenta minutos, no dia 9 de março, um ano antes da morte do meu avô.