Um Circo, um Palhaço, um Pipoqueiro, alguns amores, muitos porres. E uns textos complicados sem pé nem cabeça.

11.8.06

Quando tudo começa e acaba com um cigarro

Muito poucas vezes estive com mulheres que não encrespassem comigo por causa do cigarro, pra falar a verdade, talvez uma ou duas. Eu não sou nenhum barnabé pra não saber o quanto é desagradável fumar do lado de alguém que se sinta incomodado com a fumaça do cigarro ou mesmo com o cheiro que fica na pessoa fumante, porque eu odiava quando minhas tias vinham até mim e tascavam aquele beijo cheirando batom, cigarro e perfume em excesso. Era terrível. Hoje quando não reclamam de mim porque eu fumo, reclamam por causa da marca do cigarro. "Cigarrinho de pedreiro hein!" Eu já nem ligo mais, porque não faz a menor diferença. Não é cigarro do mesmo jeito? Não vai matar do mesmo jeito? Então, que seja um de agrado, e o meu de agrado é esse chamado de vagabundo, que custa quase a metade do preço de um "dos bons".

Uma vez saí com uma mulher para ir numa festinha de bacana, em um lugar que só tinha gente "descolada" e aquele bando de gente que toma tudo em copos grandes e com gelo. Não é a minha praia frequentar esses lugares, até porque a cerveja custa um absurdo e todo mundo parece estar posando para a Caras, só que por ela eu topava quase tudo. Antes de sair de casa peguei meu maço de cigarros quase cheio, tirei uns sete ou oito e deixei guardado dentro da gaveta, não era legal fumar o tempo todo do lado dela, por isso resolvi não levar tudo, eu sabia que bebendo daquele jeito iria acabar fumando. Então tinham me sobrado dez, o que seria o bastante para a noite toda.

Botei os pés na rua, acendi um e andei até a casa dela, que levava algum tempo de caminhada. A gente ainda se conhecia pouco e eu não queria parecer desleixado, então saí uns minutos mais cedo, com um puta medo de me atrasar. Acabei chegando lá quase meia hora antes do combinado, e não tive coragem de chamá-la tão antes assim. Dei umas duas voltas no quarteirão para o tempo passar mais depressa. Nessas duas voltas no quarteirão, fumei mais dois cigarros, e agora haviam apenas sete dentro do maço e os malditos trinta minutos se transformaram em quinze. Resolvi aumentar as voltas para dois quarteirões, assim o tempo passaria ainda mais depressa. Subi dois quarteirões, tomei a direita, depois direita de novo e eu estava na rua de trás da casa dela. A esta altura eu já estava desesperado com a demora do tempo, então atravessei a rua e entrei numa padaria pra tomar uma cerveja. E por consequência da cerveja, lá se foi mais um cigarro. Agora eu só tinha seis deles dentro do maço. Eu ainda bebi mais duas cervejas, o que regulando muito bem, me tomou apenas mais outro. Já eram cinco. E dez minutos atrasado para pegá-la, o que não era ruim, apesar de ser o começo.

Fomos pro lugar da festinha, eu parecia estar saciado dos cigarros e não precisaria fumar tanto lá dentro, apenas no intervalo entre uma cerveja e outra pra manter a lucidez, e eu também não ia tomar um monte de cervejas porque era caro pra burro e eu completamente duro. Se eu tinha cinco cigarros, guardaria um para a volta, como de praxe (porque eu sempre volto sozinho e não há nada melhor do que um cigarro pra fazer companhia), e fumaria os outros quatro nos intervalos de cinco cervejas, já que eu não tinha mais cigarros ou sequer dinheiro pra beber além disso. Mas no decorrer da festinha as coisas não saíram tão dentro dos meus planos, eu acabei tomando umas três cervejas sem fumar um único cigarrinho, o que me sobraria para mais tarde.

Como falei, não era meu tipo de festa preferido, então me afastei da turma e fiquei à espreita, fumando um cigarro e tentando não lançar olhares sobre as outras mulheres (eu não ia fazer nada demais, só não queria comprometer as coisas logo de cara). E numa dessas apareceu uma mulher que eu nunca tinha visto e me pediu um cigarro. Puta merda, eu regulando meus benditos fielmente e ainda assim alguém tem coragem de me pedir... Mas me animei quando lembrei que aquela era uma festa de bacana e que eles detestariam meu "cigarrinho de pedreiro" e quando vissem o maço, logo negariam. Nada feito.

A bacaninha levou meu cigarro. E atrás dela veio outro malandrão, também de olho nos meus. Mais outro perdido. Agora a situação começava a preocupar, eu tinha apenas mais dois e a festa não estava nem na metade. Eu não podia beber de acordo, porque não tinha mais muita grana, e também não podia fumar, porque depois eu teria vontade e me faltaria. Que grande merda eu estava!. Resolvi voltar pra perto do bando, pelo menos lá ninguém viria me encher o saco atrás de um maldito cigarro.

Só que mais uma vez eu estava enganado. Pensando bem, aquela não foi a melhor noite da minha vida, muita coisa saiu errado e tudo o que eu pedia pra ter naquele momento era paciência. Tinha uma amiga dela toda gorda que já tinha entornado uma meia dúzia de cervejas e ficava dançando como se fosse a dona da festa. Gorda, bêbada e espalhafatosa. Esbarrava em todo mundo, o que fazia muita gente perder boas porções de seus grandes copos com gelo e alguma coisa dentro. Tirei minha garrafinha de cerveja do alcance de seus tentáculos e mesmo contrariado, dançava pra fingir estar enturmado, mas sempre preocupado com os golpes da gorda. Ela realmente estava me incomodando, isso era inegável. A minha carga de raiva crescia a cada olhada que eu dava pra ela, aí pensei que se talvez eu parasse de olhar, ela não faria a menor diferença. E foi o que fiz. Mas parecia ser tarde, aquela gorda deve ter sentido a minha ira pulsando, e veio balançado as coisas pro meu lado. Merda. Eu logo pensei que ela quisesse me comer, porque tinha uma boca gigantesca e parecia mesmo ter fome. Já fiquei esperando aquela conversinha furada, a pior cantada do mundo, mas minha convicção estava errada outra vez. Ela disse "me dá um cigarro?" e foi como se me pedisse pra dar a minha coleção de chapinhas ou então meu canivete abre-fecha que tenho desde os seis anos. Eu sentia o NÃO saindo de dentro de mim e gritando na cara dela, mas eu tenho um bom coração, e falei "você não deve fumar... mulher fumando é feio!" mas a gorda não se entregou, e voltou a pedir. Todos ouviram a insistência daquela coisa gigantesca pro meu lado, e foi impossível dizer um não pra ela, ainda mais depois da cara que fizeram pra mim. Acho que ela nem percebeu que cigarro era, e também não ia mudar muita coisa, se dessem um canudo ela fumaria naquela hora. E eu também estava pouco me fodendo pro que ela iria pensar do meu cigarro, porque a merda era que agora eu só tinha um. UM único cigarro.

Eu tinha ficado puto da vida, porque eu estava puto e só tinha um cigarro. E o que se faz quando está puto da vida? Fuma-se. Mas eu ainda me segurava pra poder fumar aquele na volta pra casa, descendo a Augusta sem nenhuma pressa. Algumas coisas ruins aconteceram depois disso, o que me deixaram ainda mais fodido. Tomei mais duas cervejas, que era o quanto eu podia pagar, fumei meu único e último cigarro, e fiquei em silêncio até a hora de ir embora. Outra coisa que me revoltou foi que depois de não ter mais nenhum cigarro no bolso, não encontrei um desgraçado que pudesse me ceder um, eles eram apenas sanguessugas de merda, que continuavam posando com seus grandes copos cheio de gelo. Consegui uma carona para voltar pra casa, embora minha sincera vontade fosse pegar um ônibus ou até mesmo um taxi, mas com apenas 1.25 seria completamente impossível, e voltar a pé demoraria no mínimo duas horas e meia.

Pedi pra que me deixasse na Paulista, ruas antes da Augusta. Pronto, eu estava em casa agora, caminhava muito mais tranquilo e respirando sem problemas, bem de frente pro crime. Tudo o que eu devia fazer era descer uma meia dúzia de quadras sem fumar. A única coisa que eu poderia fazer com aquela quantia de dinheiro era tomar um café, o que não substituiria o cigarro, mas ajudaria bastante. Já era quase dia quando entrei em um boteco pra tomar café por 50 centavos, ou seja, eu poderia tomar dois, daí ví uns cigarros soltos no caixa e por 60 centavos acabei levando dois. Um para fumar junto do café, e outro pra fumar na descida pra casa, perfeito. É bem verdade que o cigarro era muito mais porcaria que o meu, que já era considerado vagabundo, mas eu não podia fazer muitas escolhas depois daquela noite.

Eu enrolava pra tomar meu café, fazendo com que tanto ele quanto o cigarro durassem o mesmo tempo para acabar, quando do lado de fora do bar um bêbado gritava com o garçom, pedindo algo pra comer. Depois de insistir muito, o cara acabou entrando e vindo na minha direção, pensei "Pourra, não vou encrespar com esse cara... já tô todo fodido mesmo". E ele me pediu algo pra comer. Eu estava ocupando uma banqueta no balcão, com um copo de café sobre um pires branco, um cigarro do lado direito e do lado esquerdo um cinzeiro e as três moedas de 5 centavos que me sobraram, eu não tinha nada além daquilo, muito menos comida pra ofecer a ele, então falei "quer o cigarro?". O cara aceitou o cigarro, e talvez tenha sido o único cigarro que me orgulhei de ceder naquela noite, porque aquele pessoalzinho que bebia coisas nos grandes copos com gelo certamente têm dinheiro pra comprar um, ou quem sabe eles nem fumem de verdade, apenas gostam de colocar algo na boca enquanto estão bebendo. E lá se ia mais um cigarro meu, desta vez sem nenhum ressentimento. O cara me agradeceu, deu um tapinha nas minhas costas e caiu fora, satisfeito com o cigarrão na boca. Agora eu só planejava um jeito de dobrar o garçom pra conseguir comprar outro com apenas 15 centavos, e abaixei a cabeça e fiquei pensando.

Lá do fundo, bem na ponta do balcão, levantou um sujeito já meio velho, cabelos grisalhos e barba rala. Caminhou na minha direção com uma mão dentro da jaqueta e quando se aproximou, sacou um maço de cigarros "dos bons" e disse "gostei do que vi, você realmente tem um bom coração, pegue quantos precisar porque não farão falta pra mim..." Finalmente, depois de todas complicações durante a noite, eu fumaria um cigarro sem me preocupar inclusive com a encrenca que eu havia arrumado durante a festa. Então caminhei de volta pra casa, debaixo do sol de rachar que fazia na Augusta às sete e tanto daquela manhã de domingo.