Terror
Passei a madrugada da sexta e quase o sábado todo brincando sozinho com minhas coisas e aceitando mais uma vez que os dias de glória trancados dentro do meu enorme apartamento voltaram de vez. E não acho ruim, se quer saber. Ao menos tenho tempo suficiente pra ficar confabulando coisas novas e talvez atarrachar algumas peças dentro da cabeça, que vez ou outra me bota em situações seriamente assustadoras.
Mas depois de ficar à deriva o sábado todo, e procurando sarna em qualquer lugar possível, decidi sentar no beiral da janela pra fumar um cigarrinho antes do banho. Bati o olho do outro lado da calçada e lá estavam duas loirinhas dentro de um salão. Na verdade aquele salão era de outra dona, e eu sempre ia lá pra dar um tapa no cabelo, mas depois que mudou eu nunca mais botei os pés lá. Daí percebi que estava na hora de cortar as madeixas de novo. Bingo!
Idéia genial para alguém que não tem o que fazer num sábado às 7 e cacetada da noite, com dez mangos no bolso. Joguei o cigarro fora, botei o chinelo e uma camisa e lá fui eu conhecer o salão das loiras. Oras, eu trabalho com o mercado e para avaliá-lo preciso ter conhecimento de tudo. Bela desculpa. Aí cheguei na porta, e já vi as duas ajeitando as coisas como se estivessem fechando. Merda, será que elas vão negar um cortezinho pra mim?
- Tá fechado? - falei, puxando a porta de vidro.
Daí uma olhou pra outra, que perguntou pra mais uma morena que estava no fundo e responderam que não. Ótimo, meu cabelo já estava cobrindo os olhos. Uma delas ajeitou a cadeira, enquanto a outra gritou "Serginho! tem cliente..." Puts, eu era mesmo um cara de sorte! Entrei no salão pra fazer um doce e elas me chamam um cara do tamanho da porta pra cortar meu cabelo? Ah não, eu não merecia aquilo.
E lá veio a franga, toda dengosa, com um cinto cheio de tesouras e pentes pendurados. Já chegou trabalhando, no bom sentido. E as loiras apenas sentaram no sofá do lado e ficaram folheando as revistas e com o rabo do olho achando um barato a situação em que eu me encontrava. É nisso que dá quando um pastel tenta ser malandro. Trabalho feito, hora de lavar a careca. Ah, pelo menos podia ser uma delas, vai? A da tatuagem? Ok.
De repente tomei um susto, porque ela tentou puxar papo.
- Acho que te conheço de algum lugar... você é modelo?
Caralho, só faltava essa. Ainda tirava sarro da minha cara. Modelo de quê? Quitanda? Só dei uma risadinha, mas ela bem que insistiu no assunto, e o pastel aqui todo sem jeito não fazia nada além de rir, porque o tal do Serginho já tava morrendo de ciúmes. E pra ter mais um pouquinho de graça, quando saía do salão ela correu e disse "deixa que eu abro a porta pra você, assim volta mais vezes..."
E eu saí do tamanho do cara do comercial do Honda, me achando o próprio terror das cabelereiras.
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