Um Circo, um Palhaço, um Pipoqueiro, alguns amores, muitos porres. E uns textos complicados sem pé nem cabeça.

28.9.05

N-A-T-U-R-A-L-M-E-N-T-E

Não faz lá muito tempo, mas agora eu lembro do dia em que desembarquei na rodoviária de São Paulo, numa manhã de terça-feira, dia frio e chuvoso. Eu carregava só uma mochila com dois jeans e algumas camisas, um livro preto do Veríssimo, um estojinho com pasta de dente e escova, e um envelope pardo com um pouco de dinheiro. Praticamente tudo era novo pra mim, principalmente as proporções dos prédios e ruas, e os esquemas para atravessar a rua, a velocidade dos carros, o tempo, e muita coisa efêmera que com o tempo viram parte dessa rotina besta e apressada. Minha tia me pegou na rodoviária, e eu felizmente andaria de metrô de novo, depois de quase dez anos.

Eu estava eufórico, pensando como seria quando tudo estivesse se estabelecido e eu finalmente pudesse começar a trabalhar e retomar os estudos. Confesso que na primeira semana, passei um sufoco de foder, porque ficava trancafiado o dia todo dentro do apartamento, como um ratinho com medo do gato que estava do lado de fora da toca. Eu não saía por nada ! Só ia no supermercado pra comprar uns quitutes e voltava logo, sentava na mesa da cozinha com um copo de café e ficava folheando o guia, olhando os nomes de ruas da região, tentando entender tudo através da parte teórica. Mas eu tinha que sair, eu tinha que andar.

Comecei a trabalhar. De cara já me chamaram de caipira, por causa da minha camisa xadrez azul e branca. Pensei: foda-se, sou caipira mas estou aqui pra ganhar minha grana, e fazer um trabalho que eu ainda não sei qual é. As aulas da faculdade voltaram, e eu também cheguei lá me sentindo um forasteiro. No primeiro dia, já me encantei por uma menina, mas percebi que as coisas não seriam fáceis. Ela poderia gostar daquele cara, com certeza. E gostou. Mas hoje não, hoje ela não poderia. Talvez hoje ela não o merecesse, porque ele era mal, ele fazia coisas que ela não aceitaria. Ela merecia coisa melhor. Afastei-me dela.

Fiquei besta com o dinheiro. Eu não lembrava de trabalhar fixo e ter uma certa grana garantida todo o mês. Pensei: "vou ficar rico, fácil. Vou juntar um tanto e no final do ano vou viajar. Ou então comprar alguma coisa muito grande, de muito valor." Mas eu ainda morava com a titia, e não tinha que pagar aluguel, comida, energia elétrica, telefone... por isso eu pensava assim. E categoricamente fui chutado dali. Eu tinha de me virar agora, arrumar um apartamento que eu pudesse pagar e fazer as coisas como eu bem entendesse. Mas então vieram as despesas, e aquele rico dinheirinho que eu sonhava em guardar até deu certo no começo. O centro, os bares, as festas, os cafés, eu ainda não os conhecia muito bem, e por isso o dinheiro se fazia suficiente.

Aí aprendi a gostar de São Paulo, e aproveitar cada lugar ruim que a cidade oferece. Às vezes eu até me sentia como um cara que tivesse nascido aqui, porque me sentia à vontade e aquele acanhamento do começo já era lenda. Eu andava na rua sem reparar nas pessoas, e nos montes de novidades que eu via. Tudo se fizera comum, inclusive as dificuldades. Fazer novos amigos, frequentar novos bares, criar vínculos (contas), ter novos casos, e andar na rua sem conhecer ninguém, mas dizer "bom dia", beber sozinho, escrever sozinho... Isso tudo eu aprendi com o tempo, sem atropelar nada e ninguém, naturalmente, como as coisas devem ser.

E talvez por isso hoje eu esteja tão pobre !