Um Circo, um Palhaço, um Pipoqueiro, alguns amores, muitos porres. E uns textos complicados sem pé nem cabeça.

18.8.05


- Pode falar, vai. Você não veio até aqui pra comprar um livro.
- Oi... desculpa, mas acho que não entendi o que disse.
- É mesmo. Esta deve ser a 3ª ou 4ª vez só nesta semana que você entra, vai até a seção de livros de História, pega esse aí da Revolução Chinesa de capa roxa e senta no chão. Depois levanta, pergunta o preço e sai sem levar nada...
- É que... eu não...
- Você já o leu inteiro ?
- Não, não... só algumas partes. Por quê ?
- E não pretende comprá-lo ?
- Ainda não sei. É caro demais pra mim, não tenho todo esse dinheiro...


Mal sabia ela que eu fazia aquilo toda semana depois do colégio só para vê-la subindo e descendo a escadinha das estantes, e depois fingia que lia alguma coisa complicada, pra ela me achar interessante. Não tinha mais como esconder, eu me apaixonei tanto que já tinha até perdido a vergonha de entrar ali todos os dias e fazer sempre a mesma perguntinha: "Vocês aceitam troca ?" e ouvir sempre os mesmos dizeres: "Depende. O que você tem aí ?"

Vitória era dessas meninas feitas pra casar, embora eu ache o casamento uma coisa completamente besta. Aquelas covinhas na bochecha e a pele clarinha faziam dela uma anja, ao menos pro olhos da mãe, que me olhava feio sempre que me flagrava fitando a calcinha da filha.

A livraria delas era bem antiga, herança do avô paterno de Vitória, um francês que parecia ter visto de tudo na vida. A mãe parecia não gostar muito do batente, mas o fazia para garantir as necessidades da filha. O pai era caixeiro viajante, que diziam nunca mais ter voltado pra casa depois que conseguiu um dinheiro do governo, e na carta que deixou dizia para cuidarem da livraria, se não quisessem morrer de fome. Filho da puta...