O Dalí do Rubião
Tudo começa quando um pintor espanhol, surrealista, pilantra, e em fim de carreira, chamado Salvador Dalí têm a excelente idéia de vender telas em branco apenas com sua assinatura no canto, pros pintorzinhos mequetrefes as preencherem e assim fazer dinheiro com a maldita peça, e ainda por cima chamar aquilo de obra de arte, só por causa da assinatura do bigodudo. "Oficialmente", garantem que a Revolução Industrial lá nas puta-que-pariu do século 18 foi o marco da desunião entre trabalho e arte, quando não se visavam mais os valores sentimentais que um objeto poderia lhe proporcionar, mas sim a bufunfa debaixo do colchão. Há quem seja contra essa história do Dalí, mas eu não dúvido nada não.
Eu vim com essa história na cabeça – que doía mais que uma unha encravada, por causa do porre na Augusta – a viagem toda, e lembrei dos papos que tive com o João sobre aquele truque de "Como ganhar um concurso de redação na escola e os outros te acharem o máximo por isso" e na verdade você não sentir tesão nenhum porque aquilo não passou de uma sacada fudida prum bando de baba-ovo. É simples e bem verdade: escreva o que eles querem que você escreva. Pode ter certeza que eles vão achar demais, e ficar olhando pra você como um débil que desenvolveu algumas caracteríscticas que não se encontra numa pessoa normal.
Puxei um gancho com esse lance do Dalí porque na 4ª série aconteceu comigo uma situação engraçada, e hoje, uns 10 anos depois, não consigo ver diferença entre elas. A história é mais ou menos assim... aquela escola Rubião Jr. estava sendo reformada, mas nem tudo seria pintado. Então aquele muro imenso que envolve a quadra poliesportiva seria pintado pelos próprios alunos, mas não com aquele verde musgo característico da escola, e sim com desenhos que os alunos fizessem ! E pra escolher quais seriam os desenhos, um concurso tinha de ser feito. Olha que hoje não gosto de competir pra nada, nem mesmo pra pegar vaga no metrô, mas naquela época eu não podia perder nem a guarda do controle remoto, porque se não meus irmãos iriam me achar um otário. O concurso... Ah! Então iriam escolher 4 desenhos da minha sala que seriam pintados no muro pelos próprios alunos, mas antes a gente teria que desenhar num sulfite e provar o que era capaz, pra depois mandar ver na parede.
Não posso negar, já dava pra perceber bem antes quem seriam os alunos que iam ganhar... O filho da melhor amiga da professora, a menina que morava no mesmo quarteirão que ela e a filha do cara que trabalhava com o marido. E... algum espertinho que resolvesse burlar o esquema de segurança do aeroporto e passar no detector de metal com um 38 na cinta e depois botar pra quebrar no banheiro do avião: Eu !
Era engraçado ver a cara dos nerds me comendo com os olhos e não aceitando que eu tomasse o lugar deles, e mais, porque aqueles desenhos ficariam uma eternidade na parede da escola e seus filhos, talvez até netos um dia iriam vê-los lá e lembrar do meu nome, "o filho da puta que trapaceou o papai".
Você deve se perguntar o que foi que eu desenhei pra ganhar a bagaça, não é ? Mas a resposta é a mesma para as perguntas que os nerdezinhos invejosos ficaram se fazendo: O que uma velha professora de 4ª série quer que um aluninho magrelo com barriga de verme, cabeçudo e orelhudo, de 10 anos desenhe ?
Plim !
O que interessa é que eu ganhei, e aquilo pra mim foi como pegar a menininha mais cobiçada do colegial e depois sair de trás da moita fazendo cara de pouco caso, pros outros olharem pra mim e pensar "tá aí um cara foda..." E era assim que eu queria me sentir, antes de ser comparado com os meus amigos.
Mas da mesma forma que eu trapaceei e o Dalí também, uma hora eu teria que me foder.
Aquele espaço do muro onde eu pintei meu desenho era bem no canto da quadra e num chão não muito correto (torto) e uns 3 ou 4 anos depois que eu saí daquela escola, bateu uma chuva tremenda e inundou a quadra, só que toda a água se acumulava justamente no canto do meu desenho, e uma hora o muro cedeu... e meu desenho e de mais uns 3 foram embora com a chuva e depois que remendaram o muro ninguém nunca mais desenhou outro por cima, e tudo que eu pude ver há poucos anos foi a marca do reboque numa quadra onde até hoje devem existir uns 40 ou 50 desenhos que vão contar a história daqueles anos, menos os meus.
E o magrelinho com barriga de verme, cabeçudo e orelhudo, e agora com 14 anos, viu que não dava mais pra trapacear e um dia passar impune.
Mas foda-se, porque nesse mesmo ano que o muro caiu, eu ganhei uma merda de um concurso de redação e na hora de falar ao vivo na TV e comprovar a teoria do Warhol, que todo mundo tem seus 15 minutos de fama, a única pessoa botou as caras fui eu, mas isso também já é outra história que eu não tô afim de contar agora...
Deixa eu ir "trabalhar", antes que alguém passe a perna em mim e eu perca o dinheirinho do mês.
- Inhér !
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